Estupro, sigilo e dever de comunicação: o que diz o CFM e a lei penal sobre a conduta do médico?
- arlysson marques da rocha
- 6 de ago.
- 3 min de leitura

Casos de violência sexual são extremamente delicados e exigem do profissional médico não apenas conduta técnica qualificada, mas também compreensão ética e jurídica. Quando o médico identifica sinais ou relatos de estupro durante o atendimento, surgem dúvidas legítimas: devo comunicar à autoridade? Estou quebrando o sigilo profissional? Posso ser responsabilizado?
Neste artigo, analiso o Parecer CFM nº 15/2025, que traz orientação clara sobre essa questão, à luz da legislação penal e do Código de Ética Médica. O objetivo é oferecer segurança para que médicos e clínicas possam agir corretamente, sem violar o sigilo, mas também sem se omitir diante de crimes graves.
O que é o sigilo profissional na medicina?
O sigilo profissional é um dos pilares da relação médico-paciente. É o compromisso de guardar, sob reserva, informações obtidas em razão do exercício profissional, abrangendo diagnósticos, condutas terapêuticas, fatos relatados pelo paciente e tudo o que disser respeito à intimidade da pessoa atendida.
O Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018) reforça, em diversos artigos, o dever de manter esse sigilo, inclusive após a morte do paciente (art. 73). O sigilo tem fundamento legal, ético e constitucional (direito à privacidade e à intimidade – art. 5º, X da CF/88).
Quando o sigilo pode ser relativizado?
O sigilo não é absoluto. Há situações previstas em lei ou respaldadas eticamente que autorizam ou impõem sua quebra, como:
Comunicação obrigatória de doenças e agravos à saúde pública (ex: tuberculose, COVID-19)
Requisição judicial ou policial, quando não houver prejuízo à pessoa atendida
Necessidade de proteger a vida ou integridade física do paciente ou de terceiros
Comunicação de crime, especialmente nos casos em que o médico tem dever legal de informar, como no caso de estupro
Em todos esses contextos, a quebra do sigilo deixa de ser infração ética e se torna um dever funcional e legal, desde que respeite os critérios técnicos e a boa-fé.
O que diz o Parecer CFM nº 15/2025?
O parecer é categórico: o médico deve comunicar sinais de estupro à autoridade competente, mesmo que a vítima não tenha solicitado ou autorizado expressamente a comunicação.
Trecho do parecer:“A comunicação compulsória de violência sexual NÃO caracteriza quebra do sigilo profissional, por se tratar de uma exceção legalmente prevista no ordenamento jurídico brasileiro.”
O documento esclarece ainda que o silêncio do profissional pode configurar omissão e responsabilização ética e penal, sobretudo quando envolve pacientes vulneráveis (crianças, adolescentes, pessoas com deficiência ou sob tutela).
Como o médico deve agir de forma ética e legal ao identificar sinais de estupro?
Registrar detalhadamente as informações no prontuário, com o máximo de descrição clínica e objetividade, evitando juízos de valor.
Informar o paciente (quando possível) sobre a obrigatoriedade da comunicação à autoridade competente.
Realizar a comunicação formal às autoridades (Conselho Tutelar, Delegacia, Ministério Público ou autoridade sanitária), conforme o caso.
Guardar cópia do relatório ou notificação, com protocolo de envio, para sua proteção profissional.
Em caso de dúvida, consultar o jurídico da instituição ou advogado de confiança.
Orientações práticas (sem expor o paciente)
Nunca divulgue dados do paciente publicamente ou em redes sociais, mesmo em casos de notificação.
Evite linguagem emocional ou vaga no prontuário. Use termos técnicos e objetivos.
Se a vítima for menor de idade, a comunicação é ainda mais urgente e deve ser feita ao Conselho Tutelar ou à Delegacia da Criança e do Adolescente.
O CFM reforça que a proteção da vítima se sobrepõe à confidencialidade, desde que respeitados os critérios legais.
Conclusão: proteção ao paciente e responsabilidade profissional
A atuação médica em casos de violência sexual exige ética, empatia e segurança jurídica. O sigilo profissional é um valor fundamental, mas não deve ser confundido com omissão diante de situações de violência.
O Parecer CFM nº 15/2025 deixa claro que o médico tem o dever de comunicar casos de estupro, e que essa conduta não configura quebra de sigilo, mas sim cumprimento do seu papel na rede de proteção à saúde e à dignidade da vítima.
Como advogado especialista em Direito Médico, oriento que clínicas e profissionais tenham protocolos claros, treinamentos e apoio jurídico contínuo para lidar com esses cenários sensíveis de forma ética e legalmente segura.
Arlysson M. Rocha
Direito Médico e Saúde
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